Revista Avianca #60 Carne de baleia – Uma tradição sem lugar no século XXI

Carne de baleia – Uma tradição sem lugar no século XXI


Por Renata Maranhão para Avianca Em Revista #560


O mês de junho não foi bom para os ativistas da causa animal. A Sea Shepherd Conservation Society (SSCS), organização  internacional sem fins lucrativos de conservação da vida selvagem marinha, fez um acordo na justiça americana no mês passado para pagar 2,55 milhões de dólares ao Instituto de Pesquisa de Cetáceos do Japão (ICR, sigla em inglês) e resolver uma batalha legal sobre a tática da SSCS contra a caça às baleias na Antártida, que inclui jogar bombas de fumaça em navios baleeiros japoneses e usar cordas com metal para danificar hélices e lemes. O contra-ataque é feito com agressividade igual. Lanças e cabos de aço são lançados pelos japoneses com o mesmo intuito de danificar o outro barco, em embates que duram de 6 a 9 horas. Celebridades internacionais do cinema, música, esporte e indústria de cosméticos se declararam contra a caça às baleias - até Dalai Lama se pronunciou publicamente, “mas desde que as tentativas de interromper a atividade sejam sem violência”, declarou.

A questão - se um tribunal dos EUA pode exigir a interrupção das táticas do grupo fora de sua jurisdição, pois ocorrem em águas de valor internacional à pirataria - foi colocada à mesa. Podem sim, e a SSCS tem que pagar milhões de dólares pelos estragos feitos à ICR, uma instituição com quem incansavelmente trava uma batalha há mais de uma década contra a caça às baleias. Em troca, são retiradas todas ações movidas contra a organização. Gavin Carter, consultor da ICR baseado em Washington DC, declarou que "o acordo mostra que não se pode deliberadamente ignorar a lei, mesmo em alto mar". Claire Loebs Davis, consultora jurídica e Ethan Wolf, atual presidente da Sea Shepherd, olham o “copo meio cheio” e comemoram estarem livres das ações movidas pelos baleeiros para finalmente concentrar as energias na proteção da fauna marinha pelo mundo. 

Anualmente, acontece uma cansativa dança entre o grupo ambiental e a frota baleeira japonesa nas águas do Antártico. A Comissão Baleeira Internacional estabeleceu a região como Santuário Antártico das Baleias para evitar a caça comercial. A brecha "pesquisa" permite continuar a atividade nessa área e mais de mil mamíferos gigantes são pegos por ano para "fins de investigação”, incluindo baleias fin, minke, jubarte, anãs e outras tantas ameaçadas de extinção. 

Yoshimasa Hayashi, ministro da Agricultura e da Pesca daquele país, defende que "o Japão é uma ilha e pescar boas proteínas do oceano é importante para nossa alimentação. As críticas internacionais são ataques culturais, preconceitos contra a cultura nipônica", disse à agência de notícias AFP. 

A briga envolve interesses econômicos de uma superpotência e mexe com uma longa tradição histórica e cultural. De fato, arqueólogos encontraram desenhos de caçadores de baleia datados de 8 mil a.C. a 3 mil a.C na região. A carne do cetáceo se manteve popular até os anos 80, o que levou boa parte das grandes espécies próximo à extinção. Com tanta campanha contra, em março de 2014 o Tribunal Internacional de Justiça proibiu a caça anual japonesa às baleias, pois não era para pesquisa e, sim, venda da carne no mercado internacional e ordenou ao Japão a interrupção imediata, levando o país a declarar moratória de um ano na caça pela primeira vez. Mesmo com a proibição, ainda há demanda em favor do consumo. “Em um mundo com diversas civilizações e tradições, a lei internacional não pode ser instrumento para impor preferências culturais de alguns, a prejuízo de outros”, disse o advogado dos japoneses. Pescadores consideram a condenação como um ataque à sua cultura. Cidadãos e governo japonês são unânimes em dizer que a crítica ao abate é hipócrita, pois não difere de um número, obviamente maior, de vacas, porcos e ovelhas abatidos para satisfazer a demanda global. O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe pediu ao mundo compreensão desta controversa parte da cultura e tradição japonesa, em entrevista à CNN. 

Ao ser proibido, o ICR entrou com pedido para recomeçar a caça científica, sob um programa ajustado e aprovado pela Corte Internacional de Justiça para a Regulação da Atividade Baleeira. E apesar das críticas, o navio baleeiro japonês Nisshin Maru ganhou no mês passado um halaal – certificando que as baleias abatidas no navio estão em conformidade com a lei muçulmana. Saiu da Terra do Sol Nascente rumo ao Noroeste do Pacífico, com temporada prevista até o final de agosto - e autorização da Agência Japonesa da Pesca para a captura de 90 baleias-sei e 25 baleias Bryde, para “contribuir com o monitoramento ecológico da fauna marinha”.

Uma pesquisa recente feita no Japão disse que 27% das pessoas apoiam a caça, 18% são contra, e o resto não se importa. Há 5 ou 6 anos ninguém sabia da situação. Agora há discussão e polêmica, e isso é bom.

Aqui, gostaria de deixar claro que não defendo os métodos da Sea Shepherd, tampouco os recrimino. E também, de maneira alguma desejo bater de frente com a cultura japonesa, que pude admirar de perto nos anos 90 quando morei naquele país e fui muito bem recebida. Mas o tempo mudou. E certas tradições milenares já foram extintas, sem maiores problemas às populações que a praticavam. Não queimamos mais bruxas em praça pública. Outras tradições têm grandes batalhas para sua extinção, como as touradas espanholas. Definitivamente, não se trata de preconceito contra o povo nipônico.    

“Eu comecei a proteger as baleias em 1975 e vi redução do número de baleias abatidas durante a minha vida. Essa é a minha profissão, acabar com a caça às baleias ao redor do mundo. Essa é uma indústria que não tem lugar no século 21”, diz Paul Watson, fundador do Sea Shepherd. 


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