Revista Avianca #46 Vida Corrida

Vida Corrida


Por Renata Maranhão para Avianca Em Revista #46


Me espanta a quantidade de pessoas que usam ansiolíticos e soníferos sem prescrição médica. Você sabia que o Brasil é o maior consumidor de um conhecido ansiolítico no mundo? É de se desconfiar quando um remédio necessariamente controlado se torna o 2° medicamento  mais vendido no país. Muitos o usam apenas para dormir, sendo que o problema dessa "muleta química" é o vício e, a longo prazo, problemas de concentração e memória. E as pessoas simplesmente subestimam a importância dessas perdas em coisas básicas ao cotidiano e trabalho. É como se, por algum motivo, estivessem imunes a qualquer efeito colateral que pudesse existir. Ledo equívoco.

E as emoções normais e importantes para as situações de perigo acabam sendo eliminadas simplesmente porque incomodam. Só no ano passado, os brasileiros consumiram 14 milhões de caixas, de acordo com o Instituto IMS Health. Os brasileiros que podem, driblam as exigências brasileiras e compram indutores de sono aos borbotões nas drogarias dos Estados Unidos, sem exigência de receita. A literatura médica não registra contraindicações à Melatonina, mas a Anvisa não libera o princípio ativo de jeito nenhum. Se o incômodo ultrapassar ao controle, existe a necessidade de alguém que tenha se graduado no assunto para lhe aconselhar.

Um estudo publicado no New York Times associou vários ansiolíticos e soníferos a um alto risco de morte, porém, sem afirmar a causa. Pesquisadores acompanharam 34.727 pessoas que tomavam ansiolíticos ou soníferos por 7 anos e outras 69.418 pessoas que não tomavam e descobriram que o risco de morte quase dobrou entre as pessoas medicadas. Apesar de não medirem a gravidade individual de cada participante, o estudo contribui com o acúmulo de evidências de que esses medicamentos não são seguros. Mas como driblar o mal do século?

Do ultrarromantismo à tuberculose, a muitos foram atribuídos o título de “mal do século”, mas nada foi tão unânime e coerente com a realidade atual como a ansiedade recorrente. Pelos dados da Associação Mundial de Psiquiatria, 1 em cada 4 pessoas no mundo já passou por isso pelo menos uma vez na vida. Já o World Health Mental Survey, órgão relacionado à OMS, mostrou que 20% das pessoas que vivem em São Paulo têm ou já tiveram algum transtorno de ansiedade no último ano. O índice foi o mais alto entre as 24 cidades estudadas (de diversos países). 

Muitas vezes mal compreendida, a ansiedade foi aos poucos “visitando” as pessoas sem olhar para cor, classe social ou credo. É verdade que o cenário típico da atualidade é um forte desencadeador desses quadros. Temos um constante estado de alerta, excesso de informação, competitividade, situações de estresse, jornadas de trabalho longas e busca eterna por melhor desempenho. Você acorda cansado? Tem dores de cabeça ou muscular? Quem nunca? Esta era de transformações aceleradas exige um poder de adequação avassalador, ao custo de frustrações profissionais ou pessoais. Ora, a ansiedade por si só, não é uma doença, mas se não cuidada adequadamente pode vir a ser. A própria dificuldade das pessoas em reconhecer algo em si com o nome “ansiedade” ou “depressão” só piora o quadro, uma vez que não se procura ajuda quando não se reconhece o problema. 

Pesquisas mostram que manter-se sob controle é fundamental para diminuir os riscos de desenvolvimento de outras doenças. Estudiosos de Stanford University, nos Estados Unidos, comprovaram que a angústia colaborou para o aparecimento de tumores em animais, pois sempre vinha acompanhada de estresse, que liberam hormônios, que prejudicam o sistema imunológico do corpo. Uma reação em cadeia.

Costuma-se dizer que para a prevenção, é recomendado o constante equilíbrio entre o trabalho e o lazer, além da busca por uma vida com hábitos saudáveis. Ok, nos dias de hoje, tudo isso é muito lindo, mas não temos tempo para de fato olhar pra isso e a ingestão de paliativos somente adia a constatação da real necessidade de realmente melhorar a qualidade de vida. Deveríamos trabalhar para viver e não o contrário.

Para a falta de sono, a humanidade têm usado soníferos há milhares de anos. Ervas como a camomila, raiz de Valeriana e erva de São João têm uma longa história no tratamento da insônia. A flor de papoula já era usada pelos antigos gregos e egípcios como indutor de sono e foi tão eficaz com Hypnos, que o deus grego do sono chegou a ser retratado segurando a flor. De novo, se o incômodo ultrapassa ao controle, há a necessidade de alguém que tenha se graduado no assunto para lhe aconselhar. Muita gente estuda pra isso.

Quanto à qualidade de vida, para esperarmos algo diferente no resultado, precisamos modificar algo que fazemos hoje. Nada muda sozinho. Não seja refém da “vida corrida”. 

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