Revista BEACH & CO #143 Tubarões – Você ainda vai ter saudades deles

Tubarões – Você ainda vai ter saudades deles


Por Renata Maranhão para BEACH&CO 143 


Não é à toa que os tubarões têm fama de mal. Com aquela cara, bonzinho é que não deve ser. Difícil simpatizar com bichos que são protagonistas de filmes de suspense e terror. Até ouvimos falar sobre algum risco de extinção, mas o que isso tem a ver comigo? Somos

seres urbanos que curtem praias, mas não queremos nada com tubarão, certo?

Quanto à má reputação, na verdade, o animal é muito mal compreendido. Existe uma infinidade de coisas que matam mais que tubarão no mundo, mas nem por isso a população tem medo. Por exemplo, a obesidade mata por ano, mais de 30.000 pessoas no mundo, enviar torpedo ao dirigir mata 6.000. E até cair da cama mata mais que tubarão: 450 pessoas ao ano. Banheiras, 340. Cachorros matam 30 pessoas por ano só nos Estados Unidos. Mesmo número de mortes que as formigas. E os tubarões, mais temido que todos estes juntos, matam apenas 5 pessoas por ano no mundo. 

A dificuldade de sensibilizar pessoas e indústria para a necessidade de preservar espécies que não são bonitinhas e carismáticas como o urso panda, golfinhos e tartarugas (chamados de espécies-bandeira), só agrava o quadro para o coitado do tubarão.

Mas aquela realidade feroz dos filmes não existe. Os tubarões não atacam pessoas, nem saem comendo todos os golfinhos e tartarugas que veem pela frente. Na verdade, eles têm importante papel na seleção natural ao predar os mais lentos e os mais fracos, impedindo que procriem, garantindo assim, a manutenção da saúde dos oceanos na escala evolutiva. Ok, com aquela cara brava e dentes afiados, acabam fazendo jus à fama quando humanos saem machucados de algum confronto, mas normalmente machucam por erro de identificação, água  turva ou períodos de pouca luz. Por não ter mãos para “checar”, coloca os dentes. Mas não reconhecendo seu alimento, larga. A outra situação, geralmente envolve erros de humanos, como quando o mergulhador que caça com arpão carrega os peixes arpados por uma linha, atraindo o predador pelo olfato e comida fácil. E situações de desequilíbrio ecológico como Recife. Dá-se como certo que as agressões têm a ver com a construção do porto de Suape, que mudou a configuração do estuário e pode ter empurrado os tubarões em direção a praia. 


PESCA -  SOMOS TODOS CULPADOS


O peixe faz parte do nosso cardápio diário e a atividade da pesca é antiga, cultural, oriunda de uma educação extrativista, vivida por todos que vivenciaram os anos 80. Mas além da pesca do tubarão pelas barbatanas, há muitas perdas na pesca de arrasto e o oceano não suporta um mercado tão voraz. O agravante para o tubarão é sua reprodução lenta. O biólogo Marcelo Szpilman, defensor da causa, explica que a média de reposição do tubarão gira em torno de 4%, pois atingem a maturidade sexual entre 7 e 15 anos, dependendo da espécie, com gestação de 12 a 24 meses. E mesmo adulto, muitos se reproduzem somente a cada 2 anos. Além da mortalidade infantil ser muito alta. 


Além de tudo isso, a maioria dos tubarões é pescada antes de se reproduzir – e cada vez mais jovem. Animais que poderiam alcançar 3 m, são pegos com menos da metade. É só olhar o tamanho do filé do cação na peixaria para imaginar o tamanho. A diferença do cação e do tubarão, é que o cação está no prato e o tubarão está no mar. O bicho é o mesmo. 


AFRODISÍACO PARA OS ORIENTAIS

Segundo dados da ONU para a Agricultura e Alimentação (FAO), cerca de 100 milhões de tubarões são mortos a cada ano para abastecer o comércio mundial de nadadeiras e este número pode estar subestimado em 3 ou 4 vezes. Mesmo que o cardápio de sopa de barbatana seja ainda forte na Ásia, este consumo desenfreado nos atinge, pois estes países arrendam barcos brasileiros para pescar em nossas águas. O pescador, aquele personagem lá da ponta, que literalmente põe a mão no tubarão, não quer saber se o tubarão vai acabar, pois precisa garantir o leite das crianças e aceita o ofício sem conflitos. 

Valores culturais chineses envolvem as sopas de barbatana, oriundos da época das dinastias Sung (960-1279) e Ming (1368-1644) quando a sopa era consumida apenas nos banquetes oferecidos pela elite chinesa. Até este século era tido como elegante servir sopa de barbatanas em casamentos e os mais tradicionais o fazem até hoje. Mas os jovens informados começam a fazer diferença neste cenário e existem dados que constatam uma diminuição de consumo. É um começo.


POR UM ABATE SEM CRUELDADE – uma segunda luta


O aumento de frota pesqueira em território brasileiro triplicou, enquanto as equipes de monitoramento de pesca não conseguiram acompanhar o crescimento. De acordo com um relatório da rede global de monitoramento do tráfico de vida selvagem, o Brasil é o 9° país onde há maior captura de tubarões. Segundo o Instituto Sea Shepherd Brasil, o Brasil é o 10° maior fornecedor de barbatanas de tubarão para o mercado asiático. Segundo o funcionário do Ministério da Produção, as exportações têm como destino principalmente Japão, Hong Kong, Singapura e outros países asiáticos. Grande parte das 200 toneladas exportadas do Brasil são ilegais e obtidas utilizando uma prática conhecida como finning, um tipo de pesca na qual são removidas as barbatanas do tubarão e o resto do corpo é devolvido ao mar, onde acaba agonizando e morrendo. Uma maneira cruel de se abater. Bois e porcos ganham campanhas por um abate sem crueldade, por que não os tubarões? Só por que são feios e possuem dentes afiados?


REAÇÃO EM CADEIA

Qualquer um que mergulhar aqui no Brasil vai ver com os próprios olhos que avistar um tubarão nessas águas é cada vez mais raro. Quem costuma frequentar os mais de 8 mil quilômetros da costa brasileira constata, infelizmente, que não é mais possível encontrar tubarões e mesmo peixes de grande porte na abundância de poucas décadas atrás. Pesquisas científicas mostram que atualmente os mares brasileiros têm apenas 8% das populações originais de tubarão que habitavam estas águas.

Nos últimos 25 anos, as populações de tubarões declinaram em até 90%, segundo as pesquisas e dezenas de espécies estarão extintas nas próximas décadas. Segundo o relatório da WWF (World Wildlife Fund), as necessidades humanas por recursos naturais ultrapassa a capacidade do planeta desde o final de 1980. Segundo a ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), mais de 90% da população de grandes tubarões do mundo foi exterminada no último século. Mesmo no Brasil. De acordo com o ICMbio, das 82 espécies de tubarão identificadas em nossa costa, 2 já estão extintas desde as décadas de 70 e 80. 31 estão em risco de sumir, entre elas o Cação Mangona, duas espécies de Tubarão Martelo, Tubarão Lixa e Arraia Viola (que se parece com um tubarão). Mas extinção não tem volta. 

A gravidade do fim de um animal que é topo da cadeia alimentar daquele ambiente, é a reação em cadeia que desenvolve em seguida. Estamos próximos de um colapso no ecossistema marinho, cujos contornos não podemos imaginar. Um caso ilustrativo ocorreu na ilha australiana da Tasmânia há 20 anos. A pesca exagerada de tubarões levou à superpopulação de uma de suas principais presas, os polvos, que por sua vez, praticamente acabaram com as lagostas da região. O desaparecimento dos tubarões quase levou à falência a indústria da pesca da lagosta na Tasmânia. 


BRASIL: BABY STEPS


A proposta para atualizar o status de proteção de 2 espécies de tubarões-martelo foi apresentada pelo Brasil durante a Convenção do CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres) do ano passado, tendo como coproponentes a Colômbia, Costa Rica, Dinamarca (representante da União Europeia), Equador, Honduras e México. Desde o ano passado o governo brasileiro proibiu também a pesca para a simples retirada de barbatanas de três espécies de tubarões-martelo Sphyrna Lewini, S. Mokarran e S. Zygaena, do tubarão galha-branca oceânico Carcharhinus Longimanus  (estão entre as mais valiosas do mercado internacional por serem maiores) e do tubarão-sardo Lamna Nasus pela condição de vulnerabilidade na qual se encontram em águas de jurisdição brasileira e em todo o território nacional, por tempo indeterminado, podendo até perder licenças e registros de atividade pesqueira. A proibição consta da Instrução Normativa Interministerial nº 1, publicada no Diário Oficial da União, assinada pelos ministros do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella.

O Brasil vem aprimorando sua legislação anti-finning e incluindo espécies na lista de animais protegidos. Um outro caminho, seria seguir os passos do Equador, que recentemente proibiu a pesca de arrasto e expandiu as áreas de exclusão de pesca. Por aqui, a cidade de Passo de Torres (SC), no litoral sul brasileiro, conseguiu uma pequena vitória com o apoio da comunidade de pescadores que entenderam a gravidade do momento. A área possui zonas livres de pesca industrial pelo período de 20 anos, por conta de um pedido de moratória de ONGs como Sea Shepherd e a Pró-Squalus. O ideal seria abranger toda a costa brasileira, mas esse município costeiro de Santa Cantarina já deu um grande passo. 


UM TUBARÃO VALE MAIS VIVO


Muitos países unem forças para tentar recuperar sua fauna, protegendo seus oceanos da pesca com leis rígidas de controle e tentando convencer seus vizinhos a fazerem o mesmo. A ação já mostra algum sinal de recuperação, porém esses processos são muito burocráticos, lentos e dependem demais das pressões internacionais.

Quatro Estados americanos, Califórnia, Havaí, Washington e Oregon, proibiram em 2103 o comércio de barbatanas e a sopa não pode mais ser oferecida pelos restaurantes.

No Caribe, as Bahamas proibiram a pesca de tubarão, inclusive para uso da carne, em julho do ano passado. Do outro lado do planeta, Maldivas e Palau também proíbem a pesca. Os três países contam com o tubarão para atrair turistas. E alguns governos perceberam que no turismo, o tubarão pode render mais dinheiro e empregar mais pessoas do que na pesca, pois um tubarão, na pesca, só dá dinheiro apenas uma vez, enquanto no turismo, aquele mesmo tubarão renderá dinheiro sempre. 

Dr. Gabriel Ganme, da área da medicina do mergulho e também defensor da causa, realizou expedições para mergulhos com tubarões nos lugares mais isolados do planeta por 20 anos e acompanhou com os próprios olhos a diminuição da fauna marinha e a crescente escassez de tubarões. Comenta que “um tubarão morto pode render até U$500,00 pelo preço alto do mercado de barbatanas. Já um tubarão vivo, no decorrer dos anos, ajudando no turismo, na atividade, na educação, pode render até 1 milhão de dólares. Por falta de cultura local, normalmente o pescador entende que ganha uma fortuna com uma barbatana e não percebe que se usasse aquele barco para o turismo de avistamento do animal, seria muito mais produtivo economicamente”.

Nas Bahamas, os mergulhos de observação de tubarão rendem 80 milhões de dólares por ano à economia do país, gerando emprego e crescimento. Estes são apenas alguns países, mas a lista é crescente dos que já enxergaram que um tubarão vivo beneficia mais o país que o tubarão morto, gerando renda para a população local com o turismo. E cada vez mais criam leis de proteção ao animal, estudando suas características, comportamento e individualidades. 

Sim, existe um tipo de turismo específico para mergulhar e interagir com eles, onde se aprende sobre a biologia e preservação do bicho-papão dos mares. Se você tiver coragem, será a experiência da sua vida, como atesta o fotógrafo Daniel Botelho. Gostou tanto da experiência, que fez disso seu ofício e os fotografa pelo mundo para revistas internacionais: “A experiência de estar com um animal deste porte dentro da água é maravilhoso. Leva-se pra toda vida”.

O biólogo Danilo de Paula Rada acredita que o ecoturismo, desde que regulado e fiscalizado, é uma excelente oportunidade das pessoas terem um contato mais próximo com a natureza e desenvolva uma consciência ambiental, além de ser importante fonte de renda para a população local.

O ecologista senegalês Baba Dioum define como ninguém os resultados da consciência coletiva de preservação da natureza: “No final das contas conservaremos apenas o que amamos, amaremos somente o que compreendemos e compreenderemos apenas o que nos ensinam”.


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